sábado, 29 de novembro de 2008

Relatos sobre Dona F

A Dona F diz que mora longe, lá onde é a curva que dá para o fim do mundo. Mas depois admite ser exagero, e fala que é o trânsito que torna tudo mais distante. Dona F fica no apartamento onde trabalha durante a semana, e vai aos sábados para sua casa. Já no domingo, tem que voltar. 
Seus filhos estão na Paraíba. Ficaram por lá mesmo, ela veio sozinha. E aqui, casou-se novamente. Seu marido é "um doido", como ela mesma gosta de enfatizar. Pela janela do quarto de seus patrões, entre um serviço e outro, ela pára e admira a vista. Confessa que dá vontade de sair fugida por aqueles cantos. Ela até que tem uma moto, mas não usa muito: acha melhor não sair com ela; já quase levou duas multas, mas os guardas a deixaram passar. Ela não tem carteira. Cena: Dona F conduzindo uma moto. É difícil não pensar em uma jaqueta preta, botas de couro e correntes de prata penduradas no pescoço, anéis de caveira... mas não, acho que este não é o estilo de Dona F. De qualquer maneira, naqueles trajes tipicos de faxineira-de-casa-de-rico, assim como nos filmes, não dá para se ter estilo. Ela parecia uma coisa, e só. Faxineira-de-casa-de-rico.

Dona F realmente não parece estar muito feliz, o olhar entrega o cansaço. Ela limpa o mijo que o poodle de dona G (essa sim, é realmente dona de alguma coisa!) distribui por toda a casa. Ele não se cansa de mijar, e nem de latir. Dona F também passa panos molhados nos móveis para tirar a poeira. "Poluição nessa cidade doida, eu passo agora e 1 segundo depois já tá tudo sujo denovo". Ela também é especialista em endireitar os quadros tortos nas paredes. Dona F não gosta da coleção de perfumes que Dona G tem no banheiro. Diz que não faz bem para a alma da pessoa, guardar coisas assim sem valor. Dona G não usa nenhum daqueles vidrinhos que ficam expostos nas estantes acima da pia. "Ela diz que foi presente da avó, e que não se faz mais. Nunca vi, guardar coisa pra não usar. Olha, nem se ela me desse, eu não havia de querer. Isso pra mim não tem valor nenhum. Pode ter pra ela, mas pra mim não tem". O Sr. M também faz coleção de coisas inúteis. Caixinhas de fósforo de hotéis. Ele tem três cestos grandes, cheios disso. Coisa de doido.

As vezes, ouve-se um "puta que pariu" aqui, ou um "desgraça" acolá. Dona F gosta de usar essas palavras. Dona F vai pegar o ônibus amanhã, e passar o dia com o marido preguiçoso. Dona F está esperando pelo próximo feriado para ir ao Nordeste, ver os filhos.



PS.: Texto escrito em Maio deste mesmo ano e postado em meu extinto blog, provavelmente, na mesma época. Nota importante: Dona F ainda não conseguiu ir á Paraíba.

4 comentários:

Welker disse...

Dona F. só deve sobreviver pela vontade de rever seus entes. E pensar que tal bravura não é tão reconhecida por aí...

Anônimo disse...

Muito bom
muito bommmm
muito bommm

Avida é dura





.

.ja dizia Mutarelli

Meire disse...

Vou para Paraíba em janeiro.
Me lembrarei de Dona F.

Dona Fernanda disse...

A vida da Dona F é realmente muito difícil, mas desejo a ela e a todas as mães que o reencontro com seus filhos valia a pena todo mijo de poodle e todo perfume velho das donas G.